quinta-feira, 14 de abril de 2011

TERREIRO DO COBRE-SALVADOR-BAHIA

Situado numa posição estratégica de Salvador, entre o centro da cidade e bairros tradicionais como Rio Vermelho e Ondina, o bairro da Federação é dono de algumas marcas bastante interessantes. Lá temos a maior concentração de emissoras de tevês e rádios e as primeiras e maiores universidades da cidade. É na Federação também que vamos encontrar a maior concentração de terreiros tombados como patrimônio nacional. Estes terreiros se estabeleceram por razões similares. Adeptos da religião garantem que foram três as prováveis razões para a concentração: mata virgem, perseguição policial e, em alguns casos, questões familiares.
Terreiros como a Casa Branca, Gantois, Ilê Oxumaré, Cobre e o Terreiro do Bogum que, segundo Lindinalva Barbosa, 42 anos, representante da Fundação Cultural Palmares na Bahia e sacerdotisa do Cobre (que na década de 1850 chegou a fazer parte da revolta dos Malês), juntos somam mais de 400 anos de história. Estes espaços sagrados, criados pelos negros escravos recém chegados a Bahia, trazidos pelos navios negreiros, se constituíram como local de integração sociocultural, fortalecendo e servindo como núcleo de relações familiares, religiosas e culturais do seu distante continente natal.

Impedidos de cultuar as divindades negras, os orixás, e ao mesmo tempo obrigados a participar das manifestações religiosas da igreja católica, três irmãs negras e escravas deram início nos fundos da atual Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, à tradição religiosa que mais tarde viria a ser chamada de candomblé, explicou o professor Antoniel Bispo, 59 anos, diretor secretário da Federação Nacional de Cultos Afros Brasileiros.
Quem hoje transita pela extensa Avenida Cardeal da Silva, cortando todo o bairro da Federação, percebe a imensa selva de pedra erguida por moradores provenientes de diferentes regiões. Paisagem bastante diferente da existente em meados do século XIX. “Por volta da década 1850, perseguidos pelo delegado que ficou conhecido na história como Pedrito, os poucos terreiros já existentes na cidade, foram obrigados a buscar uma região distante do centro e das pessoas da sociedade da época, que viam na prática religiosa uma conduta dos maus modos. Sendo assim, a região da Federação, conhecida na época como Mata-Escura, devido à densa mata existente na região, e já habitada por alguns terreiros, foi aos poucos sendo escolhida para ser o local de fundação de outros tantos terreiros inclusive de nações diferentes”, explicou Marcos Rezende, 29 anos, ogã do terreiro Oxumaré. “Por seu difícil acesso, atendido apenas por uma única linha de bonde, a linha 15, a Federação acabou sendo um local ideal para a fundação de novas casas, além de ficar longe da cidade e das perseguições da lei da vadiagem”, pontua Rezende.
“Alguns negros que praticavam o culto do candomblé, principalmente as manifestações cantadas ou tocadas, eram perseguidos por simplesmente se enquadrarem nos perfis criados pela lei. Pedrito, oficial da polícia baiana, avesso à manifestação religiosa e resguardado pela legislação estadual, era encarregado de fazer as perseguições, juntamente com uma grande equipe de guardas municipais. Eram nos dias de festas, que ele mais fazia sua perseguição. Os negros eram avisados da chegada do oficial, pelo militares, simpatizantes do candomblé ou até mesmo sacerdote de alguns dos terreiros perseguidos, que logo tratavam de interromper as festas”, lembra Rezende. Foi assim durante muito tempo. Preocupado com esta situação a Casa Branca e o próprio Oxumaré, dois dos mais antigos terreiros da cidade, buscaram na região a saída para realizarem sua atividade em tranqüilidade, completa o ogã.
Ainda para Marcos, que não acredita ter tido uma data precisa que marque sobretudo a abertura da primeira casa, devido ao fato de que nesta época as tradições serem transferidas oralmente, outro fator que contribuiu para a permanência e instalação de novos terreiros na atual localidade se deu por conta dos benefícios naturais existentes nas novas terras. Os terreiros precisam de folhas, plantas e uma fonte de água, elementos sagrados para o candomblé, e tudo isto foi encontrado em abundância nas imediações do Engenho Velho da Federação, sem esquecer do imenso e vizinho Dique do Toróro, onde se podia ir a pé fazer as oferendas sagradas.

Nações unidas

Localizado também no Engelho Velho da Federação, o Terreiro do Cobre é também um dos mais antigos e tradicionais da Bahia. Sua história remonta a 1889, quando, vindo de um outro ponto da Barroquinha, transferiu-se para o então Engenho Velho de Cima, permanecendo até os dias de hoje, define Lindinalva. Ainda no século XIX, o Cobre passou a ser dirigido pela Iyalorixá Flaviana Maria da Conceição Bianchi, filha da fundadora do Terreiro. “O Cobre tem uma particularidade que não encontramos nas outras casas. Por tradição do Terreiro, somente os descendentes consangüíneos podem dirigir espiritualmente a casa. Por esta razão a casa ficou muito tempo fechada, voltando a reabrir somente quando Mãe Valnizia de Ayrá, conhecida como Mãe Val, aceitou assumir o posto que de herança era dela, pelo fato de ser a única da hierarquia familiar com capacidade de direção”, explica Lindinalva.
Outra característica particular do Cobre é a de ser um dos únicos Terreiros a ter em seus costumes manifestações de origens das três principais nações da religião do candomblé no Brasil: ketus, bantos de Angola e gêges. “As nações definem as origens das tradições africanas dos terreiros no Brasil”, explicou Lindinalva.
Segundo o professor Antoniel, todo filho de santo é obrigado por um período a permanecer na casa de sua iniciação. Quando saíam, devido ao tempo que passavam em convívio com as pessoas e com o próprio espaço sócio-urbano, acabavam por se estabelecerem próximo às casas de origem. Ainda para o professor a questão dos terreiros na Bahia é uma questão social. É então que a relação familiar passava a determinar a fundação das novas casas.
Todos os terreiros existentes hoje na Federação praticamente foram fundados a partir de filhas e filhos-de-santo destes outros terreiros mais antigos, destaca a representante do Cobre. “Existem duas formas de um filho de santo abrir uma casa: a primeira é, tendo no mínimo sete anos de iniciação, solicitar uma espécie de autorização para iniciar seus trabalhos em um novo terreiro. Outra forma, mais praticada, é através do jogo de búzios, onde através de uma indicação a filha ou filho-de-santo recebe seu decá, podendo assim criar sua nova família”, explica Lindinalva.

Atividades socioculturais

Com tantos espaços de preservação cultural existentes na Federação, os moradores passam a desfrutar de benefícios exclusivos. Segundo o ogã Marcos, os moradores da Federação contam com diversos cursos e oficinas profissionalizantes gratuitos. Terreiros como Casa Branca, Oxumaré e o Cobre, juntos são responsáveis por realizarem oficinas práticas, graças ao apoio do Governo Federal, que vão desde os cursos de folhas, ensinando os jovens a conheceram os poderes existentes na natureza através de suas árvores e plantas sagradas até cursos de tecnologia como internet e computação. “Os vizinhos são privilegiados, por uma razão muito simples: transporte. Muitos deles não têm dinheiro para pagar a condução de vir para o terreiro, e isto seguramente iria contribuir para forçar uma evasão das salas de aula”, completa Marcos.
Em cada casa um segredo
Em 1851, a cidade do Salvador iniciava sua discreta expansão urbana, relembra Antoniel. “O presidente da Província da Bahia, Francisco Gonçalves Martins – Visconde de São Lourenço – iniciou a urbanização da Barroquinha, removendo o reduto africano para terraplanagem de toda a área. É deste modo que por volta de 1855, fugindo da urbanização e buscando um local de mata, elemento vital para o orixá, surge no Engenho Velho da Federação, exatamente na Avenida Vasco da Gama, o primeiro terreiro de candomblé da Bahia”, relata Bispo. “O terreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federação, Ilê Axé Iyá Nassô Oká, teve uma particularidade, nasceu com três titulares, as irmãs Iyá Dêtá, Iyá Kalá e Iyá Nassô. É a primeira casa de candomblé do Brasil, seguido do terreiro do Gantois, fundado pela Iyá Nassô, já batizada na Bahia”.
Preocupados com mudanças que pudessem causar alterações significativas na estrutura cultural, o poder público criou a lei federal nº. 6.292 de 15/12/1975 protegendo os terreiros de candomblé no Brasil, contra qualquer tipo de alteração de sua formação material ou imaterial. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) são os responsáveis pelo tombamento das casas. Na Federação, as principais casas já estão tombadas.

(junho de 2005)

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