sábado, 4 de fevereiro de 2012

O pecado e o Candomblé

por Dayane
Certo dia, a Jady (uma leitora do blog) perguntou-me como nós, “seres falhos”, temos o merecimento de receber a energia do orixá em manifestação.
Conversando com ela e mais tarde com outras pessoas percebi o quanto este assunto assola em seus pensamentos: a ideia cristã do pecado.
Antes de escrever eu gosto de observar e, principalmente, ouvir as pessoas; seus conceitos, suas opiniões, suas dúvidas, suas histórias… Daí vem a vontade de passar para o papel minha conclusão sobre o assunto.
Não vou falar, hoje, especificamente de Candomblé, de um assunto de Candomblé, mas de ideias que habitam as cabecinhas dos nossos adeptos por motivos de educação cultural e que quase nunca paramos pra pensar nelas.
Vamos falar um pouco sobre pecado. O pecado esteve, religiosamente, presente já nos “primeiros habitantes da terra”, Adão e Eva, segundo a história dos cristãos relatada na bíblia, e a ideia de pecado vem de ordem, uma ordem que deve ser seguida e não deveria ser quebrada. A partir daí surgiram os mandamentos que se desrespeitados, são transformados em pecados e se estes forem cometidos, virá a punição. É praticamente um ciclo.
Então, chega em terras brasileiras um povo, provindo de várias aldeias, várias etnias e nos traz um modo diferente de ver a vida, de vivê-la, de sentí-la… Representantes de sociedades de parâmetros excêntricos, peculiares e estranhos aos olhos da cultura, da visão ocidental estão presentes na nossa terra e refletirão para sempre suas marcar nos nossos rostos, nos nossos sorrisos, na nossa ginga e na nossa maneira de olhar.
Diante disso, temos a nossa religião, herança da mãe África, que dá-nos a oportunidade de viver estes novos conceitos, novos valores e estas novas visões a serem enxergadas e posteriormente aplicadas às nossas vidas, se assim quisermos, mostrando que a palavra “Liberdade” é ordem. No seu sentido literal e metafórico: Candomblé também é liberdade.
A sociedade nos estabelece modelos a serem seguidos, pensamentos a serem defendidos, desejos a serem guardados e praticamente oprimidos. Muitas vezes, nos perdemos nesse mundo de ideias, ideais, novas informações que nos chegam e que mudam a todo instante, obrigando-nos a nos ajustarmos a tudo isso. Tudo isso com qual finalidade? Para nos tornarmos aceitáveis perante os olhos de todos. Temos que nos moldar em estereótipos para participar, e nestes estereótipos estão incluídas maneiras de como se vestir, até maneiras de como pensar.
O mundo não está mais preocupado com a essência, e sim com a massificação, infelizmente. E é justamente essa essência que a nossa religião se importa, é com a essência que nos faz diferentes de qualquer outro ser, é essa essência que define nossos desejos, nossas vontades, nossa maneira de rir… Nossa maneira de amar… É ela que define toda a visão que temos sobre a vida e paralelamente não define o certo e o errado, o jeito bonito e o jeito feio, o que gera a culpa e o que não gera. Ela nos faz sermos nós mesmos, transparecermos no olhar quem somos, o que sonhamos e o que queremos de todo nosso âmago.
Chegar num estado de felicidade sem culpa, de se mostrar sem culpa é transcendental, tão transcendental quanto difícil. Difícil, pois somos seres adaptáveis, mas toda adaptação pede mudança, e às vezes mudar é tão difícil… Se livrar de amarras é um processo bem doloroso, pois nos acostumamos com tudo, até com a dor insistente e latejante. Cabe a nós querer prosseguir nesse processo de liberdade ou continuar nos martirizando com a ideia do pecado, da boa moça que tenta apagar suas idéias avessas ao restante do mundo.
Nós somos livres, fomos criados para isso e é assim que o orixá nos reconhece. Não somos falhos, imperfeitos. Apenas somos humanos, uma mistura de vícios e virtudes que anda pelas ruas, trabalha, estuda, ama, deseja, busca, ri, chora, vive… Às vezes por sonhos possíveis, às vezes por sonhos impossíveis para aquele momento presente.
Assim fomos criados, assim habita a essência que Olodumare plantou em cada um no momento da nossa vinda ao Aiyê. E acertar e errar são possibilidades esperadas de nós. Eu odeio errar, errar com os outros e principalmente comigo mesma, mas ainda assim, acontece e não me puno por isso. Às vezes um erro nos ensina mais do que um acerto e eu tenho certeza que Oyá reconhece isso em mim e está presente, sempre presente.
Pois liberdade é vivermos em prol de nossos pensamentos, de nossos sentimentos, de nossas determinações.
Minha liberdade determina sempre minha felicidade, meu sorriso. E a sua?
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena” Já diria nosso saudoso poeta das terras lusitanas Fernando Pessoa.
Axé!

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